Nós por nós
O futebol existe em tudo que lhe pertence. na força global de um esporte que é capaz de mobilizar massas, de envolver apaixonados e alheios, de reconhecer por si nações, e ser dono de uma fatia gorda da economia mundial. o futebol é uma força, um poderoso canal de mensagens e significados, uma plataforma social, e quem sabe um dia um projeto social. um gigante sem explicação, que foi acolhido por todos os povos em suas restrições coletivas, como se um herança ancestral. se eram os deuses astronautas, os astronautas eram boleiros.
Mas o futebol resiste em tudo que não lhe pertence. longe das arenas, da elite, dos acessos perfeitos aos estádios, do acesso irrestrito aos bens materiais, o futebol re-existe. faz surgir novas formas de torcer, novos significados são criados, uma forma diferente da norma de viver o esporte. singular, particular e ainda assim alinhada à frequência do esporte. Tudo que pertence ao futebol me faz gostar, e tudo que não pertence me faz amar.
Torcer pelo Belo me trouxe a esse lugar de reflexão. se não fossem as vezes de Almeidão. do encontro com a torcida unida pelas pequenas belezas que fazem o futebol, como as discussões de escalação, de jogos recentes e antigos, e da tensão pela vitória naquele dia de jogo. se não fossem os encontros com a cidade em toda sua pluralidade orbitando o futebol, em todo seu calor de povo, de sol e de sal, eu jamais poderia entender a dimensão da força do futebol.
E foi em tudo que parecia não pertencer ao futebol, do ideal idealizado, que eu encontrei a mais pura e bela forma de pertencer. quando eu visto meu pano branco e preto, e coloco meu distintivo vermelho no peito, eu já sei o que me espera. eu já sei que os irmão da Setor 31 e a playbozada dos Enjoes vão estar na sombra das árvores perto dos acesso das delegações e da imprensa. que a Império e o povão vão tá as imediações dos portões de acesso à Sombra.
Como disse o amigo professor Phelipe Caldas: a única certeza da minha vida é a felicidade na ida ao Almeidão. como no dia em que fui de preto para o Sol. ali eu vi como a torcida do Belo mobiliza as cidades, principalmente a invisível que está visível aos olhos, a cidade de gente. uma visão da maioria pela Maioral.
No Almeidão eu sou a parte do todo mais minha de todas. é como se cada figura conhecida, cada outra parte daquele todo fosse uma extensão própria de mim mesmo. como se tantos anos de investimento de teimosia e sonho, e tanto prejuízo em frustração e angústia, como se tantos sentimentos iguais compartilhados por todos esses anos juntos tivessem feitos todos um pouco um do outro.
A prova disso é de como sentimos falta dos torcedores conhecidos que não estão mais entre nós. sentida demais a ausência de algumas figuras que mais do que conhecidas, eram como se esteios do nosso torcer. a minha tradução disso é que pertencer é conhecer e reconhecer. e tudo aquilo em que a gente é fiel (ou teimoso, dependendo do humor) mesmo conhecendo todas as dores de ser, tem potência de amor. Vejam, não estou aqui falando que é um amor fácil. Citando outro pensador contemporâneo da nossa bancada, George Mil Grau: a gente vai porque é o certo, não porque é fácil.
Repito, não é fácil, mas é amor. e no Gigante do Cristo somos livres para sermos quem somos. a gente canta nossas alegrias e nossas dores com nosso sotaque, contraria a lógica e o julgamento dos soberbos, e prova que SOMOS TORCIDA. sempre do nosso jeito. de chinelo e bermuda, de alvinegro, de pescador ou boné, com radinho de pilha no ouvido ou perguntando o tempo a quem tá do lado. no Almeidão a gente vive o futebol como a terrinha nos apresentou, mas a gente vive. mostra o nosso jeito de ser, torcer e re-existir.
Unidos por sonho, mas em unidade verdadeira somente pela capacidade de não desistir nunca. uma força inata, uma teimosia atrevida, uma fé inabalável na gente mesmo. não se explica, nem se entende, só se sente.
Neste sábado temos mais um encontro com o destino. é nosso último jogo em casa nesta quarta, QUARTA, tentativa de acesso à Série B do Campeonato Brasileiro. iremos mais uma vez porque acreditamos, porque estamos perto apesar de tudo, ou simplesmente porque é nossa sina. não escolhemos onde nascemos, mas de onde nascemos escolhemos por quem o nosso coração vai bater. e a gente escolheu ser pelo clube do nosso povo, o nosso clube. Vivemos as más, vivemos as boas e agora queremos viver o hoje. o futuro já demorou demais e o passado ainda é muito presente.
Sempre será mais para eles, a derrota para o Paysandu no último jogo me deu uma resposta atravessada. que seja. como se diz lavando as arquibancadas do Almeidão com lágrimas depois de todo fracasso: o verdadeiro acesso são os amigos que a gente fez e faz neste caminho. que todo botafoguense, vivo e os que se foram, façam deste último jogo de 2023 na nossa casa, uma reverência ao que fizemos enquanto torcida nesta temporada, ao que construímos até aqui em mais uma temporada. que sejamos nós por nós e pelo que é nosso. O futebol deles é de existência, o nosso é de resistência.