Mais pra nós
Antes da derrota contra o Paysandu, meu irmão de jornada por caminhos alvinegros, George Mil Grau, soltou uma pedrada: o Botafogo me escolheu e eu escolhi não desistir. Até então não estávamos com a faca no pescoço precisando vencer as duas partidas em casa para seguir com o direito de sonhar. Vejam, no próximo sábado a gente não joga pelo acesso, esse é o direito material dos que lotaram o Mangueirão no último domingo e fizeram a mais bela (ironia) festa desta Série C. No sábado, em nossa humildade franciscana, a gente joga só pelo direito imaterial de sonhar.
Não somos movidos por títulos, mesmo que sejamos o maior campeão da Paraíba. Não somos movidos por vitórias, mesmo que sejamos quem melhor representa o futebol Paraíba. Não somos movidos pela grandeza da nossa torcida, mesmo sendo a maior da Paraíba. Pensar nosso povo é um exercício que faço periodicamente e hoje, na força das intempéries, acho que consegui achar o que nos une. Nós somos um grande sonho coletivo.
É a utopia irremediável de que um dia nosso povo, essa gente que decidiu fazer o incomum de levantar a cabeça e olhar para o lado, que escolheu acreditar na força do local, pudesse ter seu valor reconhecido. Quase como uma recompensa diante de tanta resiliência. Depois das duas derrotas seguidas neste quadrangular, a gente não quer vencer para fazer conta, a gente quer vencer para não desistir.
Quem ama o Botafogo Futebol Clube, ama sabendo de tudo, conhecendo cada parte molecular de sua composição. Das adoecidas, às saudáveis. Quem ama o Belo, ama sabendo que ele o maltratou, já o fez sofrer demais, e que talvez até não mereça esse investimento de energia e sanidade. Porque para cada dia de extrema alegria, um par de dias vezes 10 de frustração e amargura. Mas quem escolheu o Belo, escolheu não desistir. E quem não desiste, escolheu primeiro sonhar.
“E tropa, ninguém experimenta o sonho dos oprimidos, viu, porque sonhar vicia”. Vaticinou “Edgar, o Novíssimo” um dia. Para os que fazem a suposição óbvia de que torcedor do Belo gosta de sofrer, falta a perspicácia de ver que na verdade a gente é viciado é em sonhar. E sabe por que? Quem nasce na adversidade, na desigualdade material, precisa achar abrigo no que é imaterial para aguentar a existência. Ou a gente se refugia nos próprios pensamentos e se pendura aos sonhos, ou adoece na crueza do que se escuta e se vê, mas não se sente.
Mas sonhar vicia, viu, e “eu não sonho mais não, minha mãe não deixa”. O resto do verso escancara o paradoxo de sonhar. Quanto mais a gente sonha, quanto mais a gente transforma um mero acesso à Série B em algo tão utópico, algo tão banal a tantos clubes do nosso tamanho e até menores, mais a gente se conforma com a nossa condição. A mãe do eu-lírico não é má, é pragmática. E como disse o neurótico de guerra, parar de sonhar e agir é onde está a sabedoria.
Cansei de sonhar e esperar. Não quero mais ficar preso ao labirinto dos próprios pensamentos e seguir abrindo um sorriso amarelo toda vez que sou abordado na rua e escuto um “mas rapaz, e o Belo hein, não tem jeito”. Na verdade até tem, aliás sempre teve, mas a gente foi se acomodando em apenas sonhar. E quando a gente não sonha, a gente faz o que? A gente vive. Aprendi lá em “Cão Sem Dono”. Eu diria que primeiro a gente acorda, entende o sonho, e depois a gente vive.
Podemos ser poucos, mas somos loucos (& sonhadores. Estamos unidos na mesma ideia, no mesmo sonho, há tanto tempo que já é possível medir essa união pelo sofrimento que a gente compartilha entre os nossos. Agora chegou a hora de parir a união, colocar em prática, tornar exemplo. Desta terça-feira em diante, torcedor do Belo, não pense no quanto você pode fazer não pelo seu clube, ou pelo clube da sua cidade, ou por sua torcida organizada, ou sei lá pelo que te motiva a vestir essa camisa. Pense alvinegro, mas da estrela vermelha, o que você tem feito para tornar o sonho realidade?
O mundo é uma alegoria costurada por metáforas e exemplos, a merda é que a poesia se perdeu há um tempo e os retalhos grandes dos maus chamam mais atenção do que os miudinhos dos bons. Ter a potência de moldar o real é como se nós, humanos, pudéssemos por um micronésimo segundo, acessar um poder inimaginável. A gente tá nessa merda aqui para lutar pelo sonho, pelos sonhos, ou para viver transferindo culpas, eximindo responsabilidades, se alienando?
Levante seus bracinhos, é hora da genki dama do Belo. Desde o início dessa campanha na Série C, eu e muitos batemos na mesma tecla: seja o agente promotor do clube. Eu vou além, seja o modelo de torcedor do Belo que você queria ver quando subisse os degraus do Almeidão. Diretores, jogadores, nós mesmos, todos passam. Mas o clube fica, e com ele os capítulos da história que foram escritos por quem está sempre de passagem. E as coisas só se transformam se os bons exemplos chamarem mais atenção que os maus.
Tu quer ser o cabaço do Nordeste ou o time que transa? Ser conhecido como torcedor de time SAF fake ou tu quer ser o verdadeiro dono do clube? Tu quer ser parte de mais um vexame, assinar um atestado de impotência, ou quer ser sábio?
Veste a camisa alvinegra, coloca a estrela vermelha no peito, sem medo e sem pudor, acredita, faz tua parte. Encoraje quem está na trincheira com você. Quem foi que disse que duas derrotas seguidas iriam fazer a gente deixar de sonhar? Quem foi o pilantra que contou isso aí? Acorda para vida, irmão: quem nasceu Paraíba, já nasceu pra contrariar a lógica.